Ileostomia



Escrevo para pessoas que venham a passar pelo que passei, na tentativa de cobrir uma lacuna que me fez falta.

Minha filha foi ostomizada com 1 dia de vida por ter Fibrose Cística (mutação ΔF508) e fazer parte dos 17% que desenvolvem Íleo meconial. Em suma, ela saiu da maternidade 22 dias após seu nascimento com uma Ileostomia funcionante e o diagnóstico de FC obtido pelo Teste do Suor. A Fibrose Cística é uma doença genética grave que apesar de não ter cura é controlada através de tratamento multidisciplinar. Apesar das dificuldades causadas diretamente pela Fibrose Cística, sejam físicas ou psicológicas, meus primeiros meses enquanto mãe foram especialmente difíceis por conta da dificuldade de lidar com a ostomia.
Ao sair da maternidade, a região ao redor da Ileostomia já apresentava vermelhidão, mas nada comparado ao que viria acontecer nos dias seguintes. O vermelho se expandiu e aos poucos foi minando sangue, até que a região ao redor da ostomia estivesse completamente em carne viva. Isso não aconteceu sem que eu fizesse algo a respeito, muito pelo contrário, muitos profissionais foram solicitados e prestaram serviço de avaliação e também fizeram propostas de como lidar com aquela assadura. Por exemplo: ao sair da maternidade fui aconselhada a manter a região com uma espessa camada de Creme Barreira e coberta com Gaze, inclusive duas marcas de creme foram indicadas. Com a piora das assaduras, a segunda orientação foi de uma enfermeira especialista em pele que indicou que inicialmente usasse um pó secante para ostomia reaplicando a cada “troca”, estas que deveriam ocorrer de hora em hora, no mais tardar a cada 2h. Nós que já não descansávamos, entramos em desespero.

Nós mães sabemos o quantos os primeiros dias do bebê em casa são difíceis, a gente já não dorme, mas com essa orientação eu e minha mãe, quem esteve ao meu lado e literalmente tornou todo o cuidado possível, ficamos sem chão. Além do cansaço físico, a cada troca minha filha chorava muito, e, além disso, a hérnia que ela desenvolveu na cicatriz, próxima ao umbigo saltava com o choro de um jeito que nos assustava muito. A princípio achamos que não conseguiríamos. Pensamos em contratar alguém, uma enfermeira neonatal, mas mesmo assim não conseguíamos vislumbrar uma possibilidade concreta de realizar essa tarefa. O que realmente aconteceu foi que não funcionou, observamos uma melhora inicial, mas logo voltou a piorar. 

 A terceira indicação foi da pediatra, especialista em Fibrose Cística, que apesar dos problemas da ostomia nos tranquilizava bastante pelo quadro geral de saúde de minha bebê estar muito bem para a situação em voga. Ela orientou que as trocas fossem após as mamadas, pois a bebê estaria mais tranquila, o que tornaria a experiência menos traumática, e indicou outro Creme Barreira (esse menos oleoso, fixava melhor na pele) para que fosse usado sobre o pó de ostomia. A essa altura nem a gaze fixava mais sobre a ostomia e desenvolvemos uma espécie de cinta com fralda de pano que passava ao redor da barriga por cima da gaze. Chegamos também a usar pedaços de Fraldas Descartáveis ao invés da Gaze. Novamente, houve uma aparente melhora inicial seguida de uma piora notável.


Nós fotografávamos a região às trocas, nós tentávamos deixar a região descoberta o maior tempo possível, sempre tinha alguém comigo durante os dias e noites. Mesmo com essa estrutura não dávamos conta, pois uma das características da Ileostomia é o fluxo constante de dejeções. Isso acontece pois ao contrário da Colostomia, que já é realizada numa região final do intestino, a íleo fica no fim do delgado, antes da região em que o intestino absorve água, por exemplo, e, portanto, anterior à formação do bolo fecal. A assadura ocorre com o contato da pele com as fezes, que são ácidas, e até a solução desse problema não conseguimos evitar esse contato. 

A solução apareceu por indicação de uma amiga de minha mãe, ela indicou e recebemos a visita de uma enfermeira também especializada em pele, mas que era representante da melhor fabricante de Placas e Bolsas de ostomia que conheci. Até então eu já tinha ouvido falar dessas placas e bolsas, inclusive a médica já havia sondado essa possibilidade, mas eu repetia o que me haviam dito: a minha bebê não podia usar placas pois era muito pequena. Até hoje não entendo porque me disseram isso. Quando esta segunda enfermeira veio, ela aplicou uma placa Tamanho 38 (sim, a menor ficava imensa), e deixou mais algumas comigo, pois eu trocaria inicialmente diariamente até que a pele retornasse, daí a placa seria trocado a cada 5 ou 7 dias. Pela primeira vez eu realmente tive esperança de que daria certo. 

A enfermeira viria novamente dali a dois dias. A primeira placa eu não soube usar, troquei muito tempos depois do que deveria, e por isso não observei melhora imediata, mas já observei uma nova camada de pele nos extremos da assadura e percebi o que tinha feito errado. Na segunda troca a assadura estava quase completamente coberta por uma camada fina de pele, até agora eu consigo sentir aquela sensação de felicidade, pura e simples. 

Além da dor que causava a minha filha, também existia a possibilidade de fazer a cirurgia de reconstrução do transito intestinal, que seria adiada enquanto a pele não permitisse sutura. A cirurgia só veio a ser realizada com 8 meses, com o peso superior aos 9 Kg e a situação pulmonar estável, mas antes disso há outra questão sobre a ostomia. 

Com o fim do estoque fornecido pela enfermeira representante, precisamos comprar placas que só eram vendidas em um local aqui na cidade, e lá havia pouquíssimas unidades do tamanho 38, o reabastecimento só ocorreu depois que outras soluções foram encontradas. 

A primeira foi usar o tamanho 40 de outra marca, disponível no órgão público responsável pelo fornecimento de remédios e tratamentos de alto custo. Seria maravilhoso conseguir manter com o material de lá, pois evitaria os gastos que infelizmente ainda foram necessários. Esta nova marca funcionou no começo, mas logo as assaduras recomeçaram a aparecer. A tentativa seguinte foi um tamanho maior da marca inicial, que superou todas as expectativas, inclusive se tornou nossa melhor opção. Ainda que a situação estivesse considerada sob controle, as trocas ocorriam a cada dois dias e não nos intervalos ideais de 5 a 7 dias. Daí logo esta também acabou, e a tentativa seguinte foi um tamanho ainda maior, e esse era grande demais.

Voltei-me então ao plano de saúde, na verdade já havia tentado, mas levaria um tempo maior do que nós achávamos que o material seria necessário pois se planejou reconstruir o transito antes dos 3 meses, mas os planos foram suspensos por uma exacerbação da secreção pulmonar que nos levou a internamento para uso de antibiótico por 14 dias. Além disso, e da além da burocracia, do tempo de espera, e da necessidade algumas vezes de comprar o tamanho ideal, o 57, a primeira compra do plano foi da marca que minha bebe não se dava. Durante a espera conseguinte tentei usar as disponíveis, as trocas eram diárias e ainda assim as assaduras voltaram a surgir, e mais a placa não mais fixava na pele. 

Depois disso, já calejada as duas últimas compras ocorreram de forma eficiente e dentro da minha expectativa. No fim, ainda restaram algumas placas após a cirurgia de reconstrução, realizada faltando 2 dias para ela completar 9 meses, e tudo funcionou melhor do que as expectativas. Eu imaginava que correria tudo bem, pois desde a internação pela “pneumonia” (simplificação) eram realizadas lavagens intestinais com soro fisiológico e notava a resposta de seu intestino. A princípio essas lavagens eram diárias via ânus, e após o 4º mês passaram a ser via ostomia, primeiro semanalmente, depois em dias alternados e faltando um mês para a cirurgia passaram a ser feitas todos os dias.